Completo. Lê-se de cima para baixo

12º dia – Quarta-feira

Saí ás 10,30 e fui trocar Escudos. Lá conse­gui 1980 Pesetas por 1000 Escudos, no Banco de Bilbao. Um outro não trocava Escudos. Deixei-me chegar à última sem saber se con­seguiria trocar Escudos.
Escrevi aos pais.
Apanhei logo boleia: um viajante que faz propaganda de produtos químicos e aparelha­gem para laboratórios – como eu há 2 anos. Pôs música de Bach, em estereofonia. Logo co­meçou a sinfonia do apertar carinhoso do cinto de segurança e da mão e do toque na perna e de toda a amabilidade. Enquanto houve curvas, a coisa foi bem, mas depois houve uma pa­ragem prolongada por obras na estrada e aí o tipo atacou. Todo ele – Luís – era mostrar-me as “cassetes” que tinha e o mapa de Espanha, todo debruçado sobre mim, com uma mão a fingir segurar as coisas que me mostrava, mas poisada sobre mim.
Compreendo agora como se sente uma miúda ar­mada em séria, quando encontra um tipo armado em apalpador.
Mas há uma grande diferença entre estes e o inglês. Estes, envergonham-se do que são e têm medo que lhes possam levar a mal. O inglês fazia alarde do que era. Se calhar, sai-se melhor que estes. No fundo, todos são carecidos de a­fecto.
Se eu fosse rude com este, para já podia ficar na estrada e por outro lado era doloroso pa­ra ele. Eu sei o que me custa quando encontro a intolerância feminina declarada em vez de recusa implícita.
Peguei-lhe no braço e pu-lo no volante. O ti­po reagiu:
- ”Somos amigos, não?”
- ”Sim, mas não é necessário…”
Acalmou para o resto da viagem. Deixou-me em Adra, mas depois de uma visita levou-me até El Ejido. Falou das grutas de Aracena e da sua “sala de los desnudos”, onde parece haver muitas formas fálicas. Faço ideia do prazer que ele teve em admirá-las.
Embatucou também uma vez quando, tentando ex­citar-me, falou do filme "Emanuelle" e eu disse que o filme estava carregado com a ideologia da classe dominante.
Pôs o Danúbio Azul para eu ouvir.

Estes tipos safam-se da chantagem sexual das mulheres, mas depois vêem-se a braços com a solidão e a dificuldade em encontrar um parceiro sexual ou um pouco de afecto.
Compreendo em parte a chantagem sexual das mulheres. A decadência física, é uma ameaça iminente e real, num mundo de homens interes­sados só no físico e elas ainda não atingiram a mal-empregue independência económica dos homens. Por isso, antes de irem para a cama, fazem uma série de exigências que lhes garantam um mínimo de segurança. Se um tipo é sincero e coerente, está lixado. Que fazer?
Hoje fiz uma concessão à sociedade, concessão essa tanto mais reles quanto foi feita interesseiramente: rapei a barba. Talvez assim os tipos não tenham tanto medo de dar boleia.
É começando nestas concessõezinhas que se acaba por cair nas grandes, tudo em nome da integração na sociedade, integração necessária à sobrevivência a vários níveis. Sociedade, entidade abstracta, que deveria ser uma ajuda para a felicidade de cada um e acaba por ser a algema de cada um. Só se lhe pode escapar com o pulso à custa de muitos sacrifícios, tanto mais dolorosos quanto mais nos habituámos à algema. E o que produz dor obriga a pensar várias vezes, de modo que a decisão de tirar o pulso é indefinidamente adiada, até que a algema sejamos nós mesmos. E o impulso sexual é dos grandes carcereiros deste imen­so campo de concentração. Mesmo quando masca­rado de amor. Bem, adiante.

Em El Ejido estive umas 5 ou 6 horas, até a­noitecer. Perguntei preços num hostal e um tipo que estava lá ofereceu-se para me levar até Almeria. Pouco falámos na viagem.

1 Comments:

At 30/8/05 10:39, Blogger FPM said...

já acabou a viagem?

 

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