Completo. Lê-se de cima para baixo

6º dia – Quinta-feira

Às 10, estava na estrada. Quando os calções enxugaram, pois vinham pen­durados na mochila, fui trocar.
Estive até às 3 da tarde sem apanhar boleia. O sol escaldava muito mais que os outros dias. Corria vento, mas queimei-me hoje muito mais, tanto, que algumas zonas das pernas e braços me doíam. Depois de estar em várias posições, da estrada e do corpo, e depois de comer algo, estendi-me um pouco e até dormi. Apareceu por ali um puto e conversámos.
Agora consigo estar tempos infindos de pé ou andar vários km sem problema, mas...
Sentei-me no chão, estendi o braço apoiado e deixei-me ficar. Finalmente parou uma camionete. O tipo levou-me 10 ou 13 km até S. Fernando. Disse que está cansado do carro, pois trabalha 10 horas por dia, a levar areia, cimento, tijolos, etc. Traba­lha 54 horas por semana ou mais. Aos domingos, prefere andar de autocarro.
Estes tipos aqui, têm todos um sotaque lixado.
Outro tipo levou-me mais 10 km. Todo cheio de finuras e delicadezas, convidou-me a ir com ele para Sevilha, pois gostava muito de falar comigo. Que podia apanhar depois o avião para Málaga. Não sei se o gajo era “rabo” ou não, mas tinha qualidades…
Onde fiquei – Chiclana – estava um checo à boleia. Veio de Praga, por Paris, Bordéus, esteve mais ou menos um mês em Madrid e hoje ia para Ceuta. Ia e foi, mas de táxi, já que tinha pressa e boleias, nada. Lá em Chiclana, estive 2 horas.
Dali até Co­nil, fui com uns marinheiros. Aí, comprei leite mesmo a saber a vaca, mesmo bom.
Um tipo de certa idade, que já tinha andado a espreitar os penduras e tinha já levado outro gajo em Chiclana, parou e levou-me mais 13 km. A conversa girou à volta da energia eléctrica que Portugal não tem e compra a Espanha, que tem 3 centrais nucleares, exporta urânio para os Estados Unidos e o compra já tratado muito mais caro. O tipo, que trazia no carro a foto da mãe falecida, apesar de todo atenções a pôr-me o cinto de segurança, que em Espanha é obrigatório, e aproveitar para me tocar, não tentou mais nada, talvez por eu dizer que já fora casado.
No cruzamento onde fiquei – Barbate de Franco – fez-se quase noite e eu a 70 km de Algeciras e sem ver por ali nada para dormir. O frio começou a fazer-se sentir. Mudei de roupa.
Um tipo apanhou-me e passados 4 km parou e propôs-me levar-me até ao povoado onde houvesse dormida e dar-me 200 pesetas. - E eu que dou? - “Esto”. E começou a mexer-me entre as pernas. Eu, sem querer ser rude, fui dizendo que não gostava, que não era capaz. Aí o tipo puxa um embrulho de jornal, com cartas de jogar, pornográficas. Eu continuo a negar, o tipo põe-me as 200 pesetas à frente, que se eu quiser posso, que ninguém vê, que não se sai do carro, que são só 10 mi­nutos, só deixar correr a mão, que considere que estamos a quilómetros de qualquer povoa­do. Eu digo que não e que se quiser, eu fico ali mesmo, e o sacana deixou-me ali mesmo e voltou atrás. Ainda me disse que havia uma taberna, 3 km à frente.
Aí vou eu, de noite, a roer o meu jantar, à es­pera que passe o J. Cristo num bruto Mercedes.
A tasca lá estava, mas dormidas não tinha. Re­solvi atacar os camionistas que ali estavam parados. Enquanto esperava que acabassem de comer, um miúdo fez amizade e mostrei-lhe o mapa da Europa. Ficou muito surpreendido com as distâncias e o tamanho dos países.
Um camionista lá me levou até Tarifa, mas a conversa, que eu pensava perceber ao princípio, estava a pôr-me com sérias dúvidas acerca das tendências sexuais do gajo. Ainda por cima, ca­lou-se, quando lhe contei o que me tinha acontecido, com ar de reprovação.
Que raio! Estes últimos 3 eram todos da mesma terra. Pega-se? O das cartas, quando lhe perguntei, disse que nunca tinha gostado de mulheres.
Chegámos a Tarifa ás 23 e o tipo ainda me pagou um café.
Umas miúdas lá me indicaram um hostal barato – 100 pesetas.
Parece que há festa por aqui: as miúdas, todas pinocas, com vestidos típicos, a passear as ruas para cima e para baixo; as ruas a cheirarem muito bem, a flores e a ervas.
Lavei a roupa toda e aqui estou a escrever e a olhar a povoação (conquistada por D. Sancho IV - o bravo, aos Mouros, em 1292), banhada pe­la lua cheia. Um fim feliz, para um dia negróide.

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