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26º dia – Quarta-feira

Porque é que quando nos acontecem coisas fantásticas nos perguntamos se isso não será um sonho? Será porque o quotidiano é quase sempre monótono? Será que só os sonhos podem ser fantásticos? E, na verdade, nem sempre o são. Gostaria de saber a influência da qualidade dos sonhos na vida do indivíduo. Talvez um tipo com sonhos fantásticos tenha mais dificuldade em se adaptar à monotonia do dia-a-dia. Ou o inverso?
Foi isto que pensei ao acordar. Parece-me im­portante fixar a ideia mestra que nos ocorre, ao despertar.

É possível que eu esteja a dormir neste momento, porque o que se passou hoje é dificilmente assimilável pela minha mente. Talvez por isto me dói a cabeça. Preciso de dormir para arru­mar todo este material novo. Nestas férias, tenho tido muita necessidade de dormir.
Mas chega de “suspense”.

Montes de camionistas tinham dor­mido ali e bateram-me à porta, ainda nada se via, pensando que eu era um deles.

Saí ás 10,30. Fui caminhando, comendo uvas e a­preciando os magníficos prados, com vacas a pastar. Tudo tão verde! Que lindo, se Portugal fosse assim!

Boleia até Angouléme, de um mecânico, que ia desempanar um camião. Tipo muito simpático, mui­to falador, e que me deu alguns conselhos. Tão porreiro, que me foi pôr à saída de Angou­léme, tendo depois que voltar atrás. Faz as férias no estrangeiro e já visitou todos os países à volta de França e alguns outros.

Nessa altura, o meu intuito era ir a Cognac, ver se fazia 4 ou 5 dias de vindima.

Sem eu pedir, parou um carro com duas miúdas e um tipo. Atrás Aurora, loura natural, 28 anos, portu­guesa de nascimento, mas a viver em França des­de os 6 anos.
A outra, Caroline, morena, 18 anos, espanhola, diz-se meia-irmã da primeira e trazia um vestido se­mi-transparente, sobre as cuecas e um imenso par de mamas.
Ele, 25 anos, sur­do, come as palavras e parece-me um bocado ingénuo. É padeiro e ganha 2800 por mês.

Quando sabem que quero vindimar, oferecem-se para tentar arranjar-me trabalho na ilha d'Oléron, para onde vão. Ele afiança que arranja.
Parámos num supermercado, para fazer compras. Eu peguei em azeitonas, leite e pão e eles que­riam pagar-mos. Recusei.
Em andamento, enganavam-se nas estradas, mas não invertiam a marcha, seguiam sempre. Cada vez que éramos seguidos por um carro conduzido por homens, elas faziam uma fita enorme, mandavam-lhe beijos, faziam caretas, faziam-lhe manguitos, etc. Finalmente, chegámos à ilha, ligada ao continente por uma ponte de 3 ou 4 km.

Levaram-me para casa dele e fizeram jantar requintado, com coe­lho e entradas. A seguir, o tipo levou-me a falar com um português que trabalha por conta própria, a construir tonéis para vinho, alguns com 15 metros de perímetro. Este – o Carlos – tem dinheiro, pelos vistos, mas vive à portuguesa. Conhece muitos fazendeiros, claro, e levou-me a um que estava completo e a outro que possivelmente sim, me empregava. O padeiro falava pelos cotovelos e não cessava de referir que tinha em casa duas “copinnes” (± amigas).
Elas tinham ficado a arranjar-se e, quando voltámos, ele levou-as a uma festa e veio deitar-se. Tinham dito que eu podia dor­mir numa tenda que eles têm, mas acabei por dormir com o tipo. Sim, que por mais que eu pudesse pensar em “afiar o dente”, nem o padeiro petisca. Ele até tem medo de tocar-lhes pois, cada vez que o faz, apanha. Elas dormem numa ca­ma e eu mais o padeiro dormímos noutra, a prin­cípio com a companhia dum cachorrito alemão que ele adora e ao qual dá beijos no focinho.

É tudo isto que me faz confusão. Quão longe eu ou alguém está de apanhar um tipo na estrada e o meter na mesma cama! A não ser os andaluzes, que o fariam de bom grado, por outros motivos…

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