Completo. Lê-se de cima para baixo

29º dia - Sábado

Estava com imenso sono e vontade de me não levantar, mas ouvi lá fora uma bátega de água e, por estranho que seja, levantei-me logo. É que a chuva é uma mudança no quotidiano.
Ajudei a esvaziar o reboque do tractor, à páza­da. É cansativo. Depois, uvas e mais uvas. Tenho as mãos com nódoas de vinho, que não saem com sabão.
Choveu um pouco de manhã, mas o tipo fornece-nos impermeáveis. O meu aspecto era: galochas, calções e ca­misola de gola alta. Que figurão!

Hoje o meu ritmo foi um pouco mais lento e is­so, ou a maior abundância de uvas na minha fila, atrasava-me um pouco em relação aos outros. A manhã parecia que nunca mais acabava. As do­res nas costas tornavam-se insuportáveis (e não é uma palavra gratuita). Quando fui vazar os baldes para o tractor, o cansaço era grande. Parecia um levantador de pesos no seu limite.
Voltei a colher uvas e o meu repúdio pelo que estava a fazer atingiu um grau tal, que estava a pensar a sério em dizer ao tipo que não aguentava mais e me ia embora. Isso não fiz, mas as lágrimas assomaram-me aos olhos e o meu ros­to devia ser um esgar. Apesar de andar de cabe­ça baixa, tenho a impressão que uma miúda se aperce­beu do meu estado.
Ao almoço, fui a pé até à casa e deitei-me em cima da cama. Adormeci logo.

De tarde, adoptei a técnica de me endireitar de vez em quando. Penso que ajuda a lubrificar as dobradiças, e não há dúvida de que aguentei melhor. Foi com grande alegria que acabei o trabalho, por ter conseguido aguentar.

As pessoas são bestiais. Tratam-me porreiramente. Ao fim do dia, o patrão leva-nos à adega a beber um copo “do doce” e a cavaquear. É um convívio bestialmente são.
Pensei que certos tipos, também contratados, me vissem com maus olhos por eu, sem papéis, lhes diminuir os dias de trabalho, mas não.
Há um velhote da zona, que só fala “patois” (patoá) e que é bastante castiço, tanto a falar como a rir.

As miúdas loucas – a Aurora e a Caroline – apareceram a buscar o padei­ro, todas janotas. Convidaram-me para ir a uma “boite”, esta noite. Quando eu disse que 20 FF era quase meio-dia de trabalho, ofereceram-se para pagar metade, mas o certo é que não apa­receram, possivelmente porque o padeiro, que já tinha torcido o nariz, não foi na fita.
Às 11, adormeci.

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